Neusa das Dores, a feminista que fez da luta lésbica negra um caminho de reparação e memória

Aos 82 anos, ativista é figura central na articulação de agendas que abriram caminho para políticas públicas no país

Por: Camila Marins

Inspirada por Conceição Evaristo, esbocei a lesboescrevivência, como costumo definir a minha escrita com Neusa das Dores, feminista lésbica negra, que aos 82 anos é presidenta de honra da Casa das Pretas, organização que que atua na promoção de liderança e igualdade para mulheres negras.

Comecei a frequentar a casa da idealizadora do histórico 1º Seminário Nacional de Lésbicas no início de 2024, a partir de um convite da coordenadora da Casa das Pretas, de Edmeire Exaltação, para um trabalho de memória, que consistia em visitar Neusa todas as segundas-feiras, lhe mostrar fotos do acervo e legendar por escrito no verso. 

Eu saía do centro do Rio de Janeiro (RJ) em direção a Copacabana, onde me encontrava com Neusa. Ali, a oralidade fez-se lesboescrevivência. Atualmente, Neusa vive acamada e fazemos dessa escavação de arquivos um exercício de memória e reparação à sua luta e à luta de lésbicas negras.

Filha de trabalhadora doméstica, Neusa das Dores, quando menina, sonhava ser piloto de avião. Ouvia que isso era para os meninos. Quis, então, ser aeromoça, mas isso era para as brancas. Nasceu em uma família muito pobre e morou em um barracão de zinco. 

“Quando eu nasci, minha mãe estava muito doente e fomos ajudadas por outras mulheres”, conta Neusa em uma de nossas conversas, que sempre ressalta a sabedoria de sua mãe, que nunca deixou que a filha fizesse o trabalho doméstico nas casas onde trabalhava. “Venho com a minha filha, mas a senhora não vai ter duas empregadas por uma. A minha filha só vai estudar”, relembra. 

Anos depois, Neusa se tornou professora e, diferentemente da maioria das mulheres de sua época, não cumpriu o protocolo de casamento e dona de casa. Durante a ditadura civil-militar, trabalhou na biblioteca da escola e se apaixonou pelas mãos ao volante de uma colega de trabalho. 

No movimento sindical dos professores, Neusa conheceu Lula e ficou admirada. “Ele dizia: ‘professores são trabalhadores junto com merendeiras e com todos os profissionais da educação’, que foi como surgiu o Sepe [Sindicato Estadual de Professores do Rio de Janeiro]. Os professores tinham aquela visão de que não eram trabalhadores, de que estavam em outra classe, como se fossem intelectuais. E somos todos classe trabalhadora”, lembra Neusa.

Oficina sobre “amor entre mulheres” e Lobby do Batom

Na prática, Neusa já articulava uma política interseccional entre raça, classe e gênero, perpassando a luta pelos movimentos sindical, feminista, negro, lésbico.

“Aqui, no Rio de Janeiro, nós fazíamos oficinas sobre ‘amor entre mulheres’ dentro dos movimentos negros e feministas, mas dávamos outros nomes por uma questão de estratégia. Em 1988, no 1º Encontro de Mulheres Negras, em Valença (RJ), eu estava na comissão organizadora. Os homens aqui no Rio de Janeiro fizeram uma reunião com as mulheres pedindo para elas não irem, porque eram um bando de sapatão ou para terem cuidado no banheiro. O encontro era para discutir racismo, mas os caras cismaram que nós iríamos discutir a pica deles”, revela Neusa sobre as lesbofobias que permanecem nos tempos atuais.  

“Como negra, estou em espaços negros e, como mulher, estou junto com muitas mulheres heterossexuais.  Meter o pé ali significava meter o pé enquanto negra e lésbica. Não era fácil, mas eu tive aliadas fantásticas, como a Schuma  [Maria Aparecida Schumacher], Marisa Fernandes, Alice Oliveira” conta.  

Leia o material completo em: Neusa das Dores, a feminista que fez da luta lésbica negra um caminho de reparação e memória – Brasil de Fato

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