Empresa privatizada demitiu e piorou as condições de trabalho de seus funcionários
*Por Leandro Grassmann
No mundo corporativo contemporâneo, é quase um mantra que “as pessoas são o nosso maior ativo”. Empresas investem pesado em políticas de gestão, códigos de conduta e pacotes de benefícios atrativos para reforçar essa imagem. A Copel, uma das maiores companhias de energia do Brasil, é um exemplo desse discurso. Seus documentos oficiais, como a Política de Gestão de Pessoas (NPC 0401), declaram que “os empregados são os recursos mais valiosos” e que as relações de trabalho são pautadas pela “ética, respeito às pessoas, dedicação, transparência, segurança e saúde“.
Anúncios de vagas reforçam essa narrativa, prometendo um “pacote de benefícios acima do mercado”, que inclui desde vale-alimentação e plano de saúde extensivo à família até participação nos lucros e programas de bem-estar. Contudo, uma análise mais aprofundada da realidade da empresa revela um paradoxo desconcertante, onde a prática parece divergir drasticamente do discurso.
O contraste nos bastidores
Enquanto a empresa projeta uma imagem de valorização, os sindicatos que representam seus trabalhadores mostram um quadro oposto. Desde que Daniel Slaviero assumiu a presidência da Copel em 2019, a companhia adotou explicitamente o que chamou de “Mindset privado“, focado na maximização de lucros e minimização de despesas.
Em novembro de 2023, ao apresentar o plano estratégico pós-privatização aos investidores, Slaviero foi claro: a prioridade seria “fazer a lição de casa saneando custos”, com meta de economizar mais de R$ 500 milhões em três anos, sendo que a maior parte viria da otimização de despesas com pessoal. Na negociação do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) 2025/2026, a proposta da Copel foi classificada como um “insulto” pelas entidades sindicais. A oferta consistia em corrigir salários e alguns benefícios apenas pela inflação (INPC), sem ganho real, apesar de a empresa ter registrado um crescimento de 20% em seu resultado desde que a atual diretoria assumiu. Além disso, a companhia propôs a retirada do auxílio-alimentação das garantias do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), uma manobra que poderia permitir a tributação do benefício.
Essa estratégia de redução de custos com pessoal se traduziu em números concretos. Em 2010, a Copel tinha 8.907 empregados próprios. Em 2021, esse número caiu para 6.538, uma redução de 30%. No mesmo período, os trabalhadores terceirizados saltaram de 5.225 para 8.420, um aumento de 61%. Com o Programa de Demissão Voluntária (PDV) implementado em agosto de 2024, que desligou 1.078 funcionários, os terceirizados passaram a representar aproximadamente 65% da força de trabalho da empresa.
Essa tensão nas negociações é apenas a ponta do iceberg. Um levantamento em portais jurídicos assusta: a Copel Distribuição S.A. figura em mais de 117.000 processos judiciais, enquanto a holding, Companhia Paranaense de Energia, é mencionada em mais de 32.000 ações em diversas instâncias, incluindo o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Esses números ganham uma dimensão humana quando associados a reportagens que denunciam a crescente precarização do trabalho. Um artigo do Brasil de Fato, de junho de 2025, relata a contratação de trabalhadores sem qualificação técnica para funções de alto risco, o que teria levado a acidentes graves e até fatais. A mesma reportagem aponta uma queda vertiginosa na qualidade dos serviços, com a Copel despencando da lista das 10 melhores distribuidoras do país para a 29ª posição entre 31 empresas avaliadas pela ANEEL.
A correlação entre a política de corte de pessoal próprio, o aumento da terceirização e a deterioração dos serviços não é mera coincidência. Em 2016, quando a Copel ainda era majoritariamente estatal e os terceirizados representavam 40% da força de trabalho, a empresa foi considerada a melhor distribuidora da América Latina. Após a adoção do “Mindset privado” em 2019 e a privatização em 2023, com terceirizados ultrapassando os empregados próprios, a qualidade despencou.
Valorização Seletiva: A disparidade salarial
Se o discurso de valorização de pessoas parece vazio para os empregados, ele certamente não se aplica à alta cúpula. Desde a privatização em 2023, a remuneração da diretoria da Copel saltou 429%. O orçamento destinado aos executivos, conselheiros e comitês passou de R$ 11,3 milhões em 2023 para R$ 60,1 milhões em 2024. O presidente Daniel Slaviero, que recebia R$ 72 mil mensais, pode agora embolsar até R$ 382 mil por mês, um aumento de 430%. Os demais diretores podem receber até R$ 324 mil mensais, incluindo salário, bônus e ações.
A justificativa oficial? Segundo a empresa, os valores anteriores estavam “desalinhados em relação às tendências do mercado” e não eram “adequados aos desafios da Companhia na gestão do seu capital humano, que demanda sólidas estratégias de incentivos, atração e retenção de talentos de alto desempenho”.
Enquanto isso, aos empregados que permaneceram após o PDV, a empresa oferece apenas reajuste pela inflação (INPC), sem ganho real, e propõe eliminar o abono, restringir horas extras, acabar com o adiantamento do 13º salário e congelar benefícios como auxílio-alimentação e auxílio-educação. Como já observei em 2022: “Quanto menos se paga aos empregados, mais a Diretoria ganha. Quanto mais lucro proveniente da redução de custos com funcionários, mais a Diretoria ganha.”
Vale ressaltar que, segundo o DIEESE, 89,2% das negociações coletivas no Brasil em 2024 resultaram em ganhos acima da inflação. A proposta da Copel vai na contramão do mercado de trabalho nacional, mesmo com a empresa tendo registrado lucro líquido de R$ 1 bilhão no primeiro semestre de 2024 e distribuindo R$ 632 milhões em proventos aos acionistas.
Veja a notícia completa em: A piora dos serviços da Copel faz parte de uma estratégia — Brasil de Fato

